O Brasil tem o direito de querer reeleger Lula. E as instituições têm o dever de respeitar esta vontade

Tiago Cordeiro
3 min readJul 20, 2021

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É necessária uma dose enorme de paciência para dizer o óbvio. A democracia só é plena quando se respeita o voto e o direito das pessoas em escolherem seus representantes. Desde 2016, quando o país viveu um golpe branco, empresários, forças midiáticas e políticas passaram a agir como se fosse normal simplesmente desrespeitar esta vontade popular em nome do projeto de Brasil que elas querem. Não, não é normal.

Se de lá para cá tudo tivesse dado certo, o país prosperasse e a vida das pessoas estivesse melhor, esta mancha estaria sob o tapete de nossa história e estaríamos discutindo se os fins justificam os meios.

Porém, a economia desandou, a vida dos brasileiros piorou muito e tudo deu errado desde então. Até perder uma final para a Argentina em Maracanã conseguimos*. Já passou da hora de dizermos o óbvio às pessoas que não respeitaram e não respeitam a vontade da maioria: vocês são muito piores que o povo brasileiro para decidir os rumos do Brasil.

Depois de derrubarem Dilma Roussef, essas mesmas forças agiram para prender um ex-presidente sem um processo justo. Eu não acho Lula mais inocente do que José Sarney, Fernando Collor de Mello, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e a própria Dilma. É possível que todos os ex-presidentes sejam ainda mais culpados que Lula. Se só ele foi preso, acho que é óbvio, ululante e escancarado que o objetivo nunca foi um processo penal justo, mas influenciar nas eleições de 2018.

Bom, conseguiram. Parabéns.

Lembro bem de mesmo pessoas vistas como razoáveis na direita brasileira exigissem que Lula só fosse solto caso não fosse candidato em 2018. Como alguém pode repetir isto alto e achar que é bom viver em um país que conduz um processo assim?

Como se um erro com a magnitude dessas consequências — perdemos mais de meio milhão de vidas em uma contagem feita à revelia das autoridades federais — já não fosse o suficiente, essas pessoas acham que podem brincar com o destino do país novamente. A mesma colunista** que virou meme pelo excesso de simpatia ao posar com Michel Temer teve a brilhante ideia de Lula abrir mão de ser cabeça de chapa e sair vice para impedir um golpe de Bolsonaro. Ou seja, o líder das pesquisas e franco-favorito em todas as pesquisas abriria mão de se eleger presidente para evitar que Bolsonaro faça o que Lula, o PT e todas as pessoas razoáveis avisaram que faria.

O recado não vem de graça. Para algumas pessoas Lula se eleger será um golpe duro no orgulho de quem achou que mandava no país na marra e para outras será ainda mais difícil engolir em seco e votar 13 com um atraso imperdoável de quatro anos. Tudo isto eu entendo e sou até capaz de sentir empatia. O que não compreendo é a vontade recorrente destas pessoas em não respeitar que o povo brasileiro eleja, pasmem, quem ele quer.

Arthur Lira, devidamente apoiado por um ministro do STF lava-jatista e que recebe salários maiores que seus colegas da Europa, agora tira da cartola um projeto de semipresidencialismo para 2026. Uma espécie de controle de danos. Se acontecer o que as pesquisas indicam, o povo pararia de eleger o presidente em sete anos. Vale lembrar que a população já votou contra o fim do presidencialismo assim como votou contra o desarmamento.

Qual a justificativa decente para insistir nisto pelo Congresso, ignorando o que o brasileiro quer? Não me diga que as pessoas que estão em Brasília sabem melhor o que o Brasil quer. Faz cinco anos que estamos comprovando que não fazem ideia.

*Sim, o governo Bolsonaro tem culpa dessa derrota histórica porque fez um esforço hercúleo para trazer para o Brasil uma competição que não havíamos nos comprometido e que atrapalhou o combate a pandemia de covid-19.

**Nessas horas, a gente vê que a autocrítica do PT é menos urgente que o simancol de algumas pessoas.

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